Nine

Sete anos após o oscarizado Chicago, e depois de um não muito apreciado Memoirs Of A Geisha, Rob Marshall regressa onde se sente à vontade, ao musical. Numa Itália dos anos 60, esta obra baseada no filme de Frederico Fellini, 8 1/2, e no musical da Broadway com o mesmo nome, Marshall pegou num elenco luxuoso de beldades talentosas e fez um filme com uma classe diferente da de Chicago e que claramente é mais selectivo no público que irá agradar.


Sem ter visto o 8 1/2 de Fellini vejo este filme com uns olhos bem diferentes do que quem conhece a obra do realizador italiano. Daniel Day-Lewis (escolhido após Javier Bardem não se encontrar disponível) interpreta magistralmente o perturbado e atormentado Guido Contini, realizador que sofre uma pressão tremenda na criação do seu novo filme intitulado "Itália". Os problemas dos seus relacionamentos com as mulheres da sua vida e as encruzilhadas mentais que empurram Guido à exaustão são a base deste filme que é mal vendido. Os dois trailers lançados utilizam as duas melhores músicas de todo o filme (Be Italian e Cinema Italiano) levando o espectador a desiludir-se se pensa encontrar um filme repleto de músicas sonantes e divertidas como acontecia em Chicago. Nine é sobre um homem numa crise de meia-idade, logo, não podemos ter um espectáculo de diversão e entretenimento ao estilo do bem-disposto Chicago, mas sim uma obra emocionalmente pesada.

Do elenco feminino, Marion Cottilard é a que mais emoção e força consegue transmitir da sua personagem sofredora e negligenciada, Luisa Contini, esposa do maestro Guido. Através dos seus dois números, Cottilard consegue transpor a sensibilidade de My Husband Makes Movies e o vigor de Take It All, sem descurar a sua restante participação. Judi Dench, a consciência de Contini e directora artística do seu novo filme, continua com a consistência a que estamos habituados por parte da actriz britânica, impressionando no seu número pomposo de cabaret, Folies Bergere (que, ironicamente, relembra a Guido a necessidade dos filmes entreterem e divertirem o público). Penelopé Cruz, a amante de Guido, Carla, confirma a sua versatilidade com uma representação sensual e até um pouco cómica, "abrindo-se" num número bastante sensual, Call From The Vatican. Temos também Sophia Loren, a falecida mãe de Guido que acompanha o cineasta nos seus momentos mais solitários e perturbantes. Enquanto que Nicole Kidman é completamente abafada pela sua curtíssima participação no filme como musa de Contini (razão pela qual Catherine Zeta-Jones recusou o papel), em que nem no seu pequeno número musical consegue elevar um pouco de atenção ou vivacidade à sua personagem, Kate Hudson e Fergie conseguem, apesar dos pequenos papéis, as melhores músicas do filme em que impressionam e são o que Nine mais parecido tem com Chicago. O exuberante Cinema Italiano (nomeado para Globo de Ouro) de Hudson e o Be Italian de Fergie são, musicalmente, os pontos altos do filme.

Com uma perceptível dificuldade em inserir os números musicais no enredo do filme, Rob Marshall não consegue, como em Chicago, que o filme saltite tão bem de música em música, mas consegue uma intensidade emocional dos seus personagens e uma evolução ao longo do filme, que nos faz sentir a deprimência e sufoco de Guido, tanto como a sofridão de Luisa. O ponto fraco do filme é ser capaz de esquecer as personagens de Hudson e de Kidman, que, apesar do excelente número Cinema Italiano, são desperdiçadas pelo argumento.

E é assim que Marshall retrata a crise existencial e artística de Guido Contini, rodeando-o das mulheres que representam a sua luxúria e os seus comportamentos libertinos que lhe causam problemas e das mulheres que o puxam à realidade e o confrontam directamente com a vida real que tão dificilmente o Maestro Contini enfrenta.
Claramente que não é um musical-karaoke, género Mamma Mia. Não se enganem. Isto é um musical do melhor que a Broadway pode dar.

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